De volta à civilização!

Estamos de volta ao Brasil, voltámos à civilização, a Bolívia vai deixar saudades mas aqui estamos em casa! Temos picanha, churrasco, cerveja realmente gelada e belas vistas de novo. Os últimos dias na Bolívia vão ficar na memória, tínhamos poucas informações sobre a pista de Santa Cruz até à fronteira com Brasil, sabíamos apenas que era uma rota dificil atravessando uma região muito isolada e desértica, o Chaco Boliviano. Saímos de Cochabamba já tarde, a avaria do Teles foi difícil de resolver, deveríamos abrir a cabeça do motor, identificar a fuga e substituir junta e vedantes das válvulas, o problema é que aqui não existe peças nenhumas para esta moto e a solução foi uma simples rosca no buraco da fuga e parafuso a tapar!Ligámos ao André Ettiane e ficámos a saber que em Corumbá haveria juntas e vedantes para este motor, o Charlie da oficina com o mesmo nome em Cochabamba foi o artista da rosca. Testámos a coisa, vimos se aumentava a pressão, não... Ok segue viagem, em Santa Cruz avaliamos de novo a situação. Outra situação que nos preocupava eram as noticias de bloqueios enormes nas estradas principais da Bolívia, tinha começado um exactamente no dia em que saímos de La Paz e por pouco escapámos, algumas horas depois e ainda lá estaríamos, o bloqueio dura já há 4 dias e ninguém consegue sair da capital para o sul do país. Tínhamos algumas noticias contraditórias que anunciavam bloqueios tb na estrada para Santa Cruz e foi com alguma preocupação que nos fizemos à estrada. A reparação funcionou, não perdeu mais óleo (pelo menos por aquele buraco), não encontrámos bloqueios na estrada e fomos degustando lentamente a descida dos Andes. No inicio da descida surgem as primeiras nuvem nos cumes, sentimos a humidade a aumentar, a aridez dos 4000 metros desaparece repentinamente depois de um cume e em vez de montanhas nuas vermelhas surge uma vegetação densa que vai aumentando conforme descemos. Almoçamos numa barraca de beira de estrada e começamos a retirar as camadas de roupa, a temperatura já é mais agradável, estamos a pouco mais de 1000 metros. A estrada é bonita, tem muitas partes de ripio grosso sinalizadas como áreas de instabilidade geológica, como o asfalto devia passar a vida a quebrar optaram por esta solução, uma boa solução apenas algo desconfortável para os motociclistas que se cruzam com camiões. Chegámos a uma pequena cidade chamada Montero a 40 km antes de Santa Cruz, se continuarmos vamos ter de conduzir de noite e descobrir um hotel barato numa cidade grande e cheia de transito, não gostámos muito dessa experiência em La Paz por isso decidimos ficar por Montero. O dia seguinte foi o primeiro da travessia do Chaco Boliviano, mais uma vez estão a construir uma estrada de asfalto na direcção do Brasil, mais uma vez a pista antiga está destruída pelas obras e pelos camiões. Agora o calor já aperta, estamos a apenas 200 metros de altitude numa planície sem fim, sopra um vento fortíssimo faz lembrar o do Sahara ou o da Patagónia, vem em rajadas que nos empurram para aquela parte da pista cheia de pedras grandes, ao lado temos espectadores atentos à espera do pior. A pista tem degraus e buracos enormes, partes de fesh fesh (tipo pó talco) profundas e com pedras lá em baixo, as motos sofrem muito, tudo treme, as suspensões batem no fundo muitas vezes, de todas as partes da moto surgem sons de pancadas fortes no metal, de tempos a tempos toco nas malas só para ver se ainda lá estão. Finalmente as obras acabam e pela frente surge a pista antiga, bonita, vermelha e ladeada por uma vegetação mais alta e verde. A planície dá lugar a um carrocel de subidas e descidas gostosas, as rectas intermináveis dão lugar a curvas bem desenhadas, o sol começa a cair, a temperatura está perfeita, bate uma brisa fresca na cara.... é por momentos deste que não tenho duvidas que a moto é o veiculo ideal para viajar. Dormimos em San Jozé de Chiquitos, uma pequena cidade saída de um filmes de cowboys. O lugar foi fundado em 1520 por uma missão franciscana e pouco deve ter mudado desde então, não existe asfalto em toda a cidade, todas as casas tem um alpendre em madeira como aqueles do wild west. Espalhados por toda a cidade estão muitos Mormons de origem alemã, loirinhos de olho azul com calças manufacturadas, suspensórios, chapéus de palha e olhar desconfiado. Realmente este é o lugar perfeito para eles, encaixam neste lugar parado no tempo como ninguém! Para nós é noite de dormir cedo, enganei os vadios e disse-lhes que amanha os 450 kms que faltam até à fronteira são infernais e duram normalmente 11 horas de viagem (na verdade as informações que tenho é de metade disso, mas é a unica forma de por o Teles e o Casimiro em cima da moto antes das 9). Assim saímos com o nascer do sol e pelos meus planos chegamos ao Brasil depois do almoço a tempo de passar as demoradas fronteiras e comer uma picanha em Corumbá. Não foi bem assim, realmente saímos com os primeiros raios de sol mas 30 kms depois a Téneré do Casimiro encosta à berma sem rolamentos atrás. Malas fora, roda fora toca de analisar o problema, diagnóstico: rolamento destruído, roda bloqueada!! O Casimiro e o Teles não trazem rolamentos de substituição, os que o César trás não são desta medida... são as dominators que salvam o dia contribuindo cada uma com um rolamento para a reparação. Bom saber que Ténerés de Dominators levam a mesma medida de rolamentos na roda de trás, bom saber tb que o Casimiro continua com a sorte do costume. Aproveitamos a paragem para olear as correntes e fazer uma inspecção básica, eu reparo que o parafuso que segura o amortecedor ao braço oscilante partiu e ameaça partir as bielas do prolink. Reparo tb que pela quantidade de lama e pó o parafuso já anda assim há uns dias por isso tenho fé que ele há-de aguentar mais umas horas, seguimos viagem. Em vez de pista temos asfalto nos primeiros 100kms até Roboré, é mais chato mas dá para ter uma outra perspectiva da paisagem. Agora as montanhas aumentam de altura, são parecida com os Tepuys da Venezuela mas sem tanta vegetação, a estrada nova serpenteia por um canyon enorme entre estas elevações, é bonito, afinal o Chaco daqui não é chato! Em Roboré abastecemos as motos e enquanto as Yamahas foram procurar óleo as hondas foram procurar uma oficina para substituir o parafuso. A manobra foi mais complicada por três razões; primeiro porque eu sou preguiçoso e não quis desmontar as malas para aligeirar o peso, segundo porque o parafuso que eu encontrei nos sobresselentes é curto, vamos ter de fabricar um, e terceiro porque a oficina tem apenas um torno que não funciona e não tem serrote de metal.... O mestre André e a sua serra maravilha reciclaram um parafuso ferrugento do refugo da oficina e em meia hora estávamos a almoçar pollo num restaurante nas margens de uma ribeira. Os 450 quilómetros que nos separavam da fronteira foram devorados com muito prazer, sem obras e com pouco transito a pista continua com as curvas e o carrocel. Imaginem uma pista de terra vermelha, um vento lateral ligeiro que afasta o pó do da frente, o pneu traseiro já está nas ultimas e a cada curva resvala ora para um lado ora para o outro, a moto funciona perfeitamente, soa melhor ainda, a paisagem é bonita e de 50 em 50 kms encontramos uma aldeia com um barraco onde a única coisa que se pode comprar é cerveja fresca....enfim idílico!! Lembrei-me do meu amigo Zinga, ele ia gostar de estar aqui, um gole à sua saúde!! Estávamos nós em pleno transe a devorar a pista quando na ultima aldeia aparece-nos uma multidão. Camiões parados, troncos na pista, mulheres e crianças no meio da rua. Bloqueo!! Bloqueo!! Ok!! Motos paradas, tudo parado, as senhoras é que mandam no Bloqueo, querem agua e luz nas casas da aldeia, chamam os políticos de corruptos e estão muito mal encaradas. Simpatizamos com a causa, juntamos as motos ao bloqueio mas ao fim de uma hora, sem agua, sem cerveja, sem cigarros começamos a perder a motivação sindicalista. Senhora podemos avançar?.... Non, se quedan aqui um ratito más! O André e o Teles têm mais sorte, perguntaram a uns camionistas que obviamente disseram que podiam avançar, quando as senhoritas perceberam eles já estavam longe. A mim bloquearam-me sentadas na frente da moto, umas muito mal encaradas outras mais bem dispostas já diziam que eu podia ficar por lá e casar, ofereceram cama, comida e roupa lavada... e 5 filhos pra criar!! De repente chega um policia ainda mais mal encarado, afasta a cadeira na frente da moto e diz: Sigue!!, eu olhei a medo para as senhoras que me diziam adeus e segui! Com esta historia perdemos 2 horas e o sol já começava a alaranjar, acelerámos mais um pouco para fugir dos camionistas kamikases que tinham ficado no Bloqueo e em 50 minutos devorámos os 120 kms que faltavam, as obras recomeçaram mas nem isso nos fez abrandar! Isto de pilotar de noite na pista esburacada tem algumas vantagens, quando deixamos de ver os buracos e as armadilhas rodamos mais depressa, parece tudo mais fácil. Chegámos à fronteira 10 minutos antes de fechar, isto a do Brasil porque a da Bolívia já tinha fechado. Tanta pressa para nada, temos de tratar da importação temporária para o Brasil só amanha! Seguimos para Corumbá sem carimbos no passaporte e com o consentimento dos guardas da fronteira, parece que perceberam pelas nossas caras que precisávamos de uma picanha. Agora estamos em Corumbá, passámos toda a manha a tratar de papelada nas fronteiras e deixámos as motos numa lavagem e revisão, já são quase 5 da tarde e já não vai dar para ir hoje para o Pantanal, vamos amanhã! Ontem brindámos aos amigos que gostariamos de ter aqui connosco, o Martins, o Galego e o Luis Lourenço fazem falta eles iam gostar muito destas pistas, eu ja decidi quando eles vierem eu venho só para mostrar o caminho :). Estamos bastante atrasados em relação ao previsto, temos de chegar a São Paulo na quarta feira sem falta para embalar e despachar as motos. Temos quinta feira para fazer isso, sexta o Casimiro já volta e no fim de semana a Aduana está fechada. O que salva os nossos contratempos são novamente os amigos, o Sílvio está imparável em Sampa, já conseguiu as grades para as motos e tem tudo preparado por lá, era para vir com a Verbena e o André até Bonito para rodarem connosco de volta a SP, mas já nem sabemos se temos tempo para ir a Bonito alem disso para eles seriam 2600 kms em 3 dias... se bem que me daria uma grande prazer terminar a viagem na sua companhia, não lhes vou fazer essa maldade. Hoje as fotos são da autoria do Teles!

Comentários

  1. Show... cá estamos anciosos pela vossa chegada com a trip toda, a galera em SP estão todos malucos para ver e ouvir as "mentiras", vamos improvisar algo por aqui.

    Estão entrando na reta final da viagem, pois esperamos muitos contos e fotos ainda pela NET.

    Sds, e boa viagem

    Silvio Adventure

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  2. Ena! o Teles já se aventurou á fotografia digital :-), a pista le-se de facto espectacular, dependendo de quando o LL, CM e o maluco forem, estou com uma vontade enorme de me juntar á comitiva :) espero encontrar-vos a todos no final do mes para ouvir ao vivo essas histórias e babar-me com as fotos, ...

    Um abraco,

    Joe

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  3. Força, está quase!
    Parabéns pela excelente qualidade das fotos que junto com o texto transformam o relato em algo "hiper-venenoso"!!!
    Parabéns também pelo espírito de camaradagem que transparecem. Deve ser com certeza algo de fantástico viajar convosco ;o)
    Por aqui no Portugal distante já andamos a 34ºC...
    Abraço transmontano
    Paulo Mafra

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  4. Teles, o fotógrafo... Gandas fotos e ganda relato... continuem com os pormenores todos que andamos em pulgas!

    Bjs e força!
    CV ;)

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  5. Hiiihhh, isso já está a acabar!!! Hoje tenho verdadeira pena de vocês e não a inveja do costume :) Obrigado por se irem lembrando de nós! Temos saudades!

    Abraços.

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