Acabou!

Cada vez é mais difícil parar, cada vez é mais difícil regressar! As viagens de moto são uma experiência magnifica, temos um contacto directo com o meio que nos envolve, com os cheiros, com as temperaturas, com as pessoas, mas são tb uma viagem ao nosso interior, passamos longas horas por dia sozinhos em cima da moto, temos tempo para pensar, para cantarolar e para fazermos balanços de como vai a nossa vida. Não há ninguém para nos interromper, para nos desviar a concentração, talvez por isso as ultimas semanas destas viagens são sempre complicadas de digerir. Tenho me perguntado cada vez mais quando é que vou ter coragem de não regressar, de continuar... de ficar por aqui... Afinal vou regressar para onde?? para o quê?? Para casa, mas que casa... é aqui que me sinto em casa... recomeçar, vou ter de recomeçar... e porque não recomeçar aqui....

O melhor é guardar para mim estes delírios vadios e continuar o diário da viagem que é para isso que serve este site, desculpem lá o desabafo!

Estou no Aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro, chegámos ontem ao fim do dia à cidade maravilhosa. A ultima semana da viagem foi desgastante, muito desgastante, começamos a contar os dias ao contrario, os problemas lá da terrinha voltaram a preocupar-nos, voltámos a olhar para o relógio, para a agenda, para os compromissos, para o extracto do cartão de credito, para a conta bancária, para o trabalho.... e as noticias não são animadoras. Seja como for e como não há coragem para ficar... há que enfrentar o regresso e recomeçar! O Casimiro já foi, foi ontem com o seu ar tranquilo do costume, foi atrasado como tb é costume, teve de vir num voo de ultima hora de São Paulo para o Rio, conheceu os 4 aeroportos destas duas cidades e por esta hora deve estar a colocar a gravata para apadrinhar o casamento do seu irmão. Nós estamos há espera do nosso voo, há por ali um cyber point mas eu estou tão deprimido que não me apetece ver computadores à frente, vou escrever no meu velhinho diário e depois passo para o site quando tiver melhor. A chegada a São Paulo aconteceu à 5 dias atrás e a recepção foi como já é costume magnifica. O Silvio e a Joelma foram nos buscar ao Inicio da Marginal Tietê e guiaram-nos à "nossas" churrascaria onde os Verbenos já nos aguardavam. Decidir onde dormir é sempre uma decisão complicada por estes lados, a hospitalidade é tanta e tão genuína que temos de gerir cuidadosamente a coisa de forma a não magoarmos amigos. Para equilibrar a coisa optámos por dormir a primeira noite com os Verbenos e a segunda com os Ventura. A minha mana Milene veio de Jaraguá novamente para nos receber e desde a primeira hora integrou a comitiva Vadia. Depois de descarregar as bagagens e de um duche rápido na "Estalagem Rolf" seguimos para o Ibira Moto Point no centro da cidade onde os Desmo masoquistas e os Big loucos nos esperavam. Churrasquinho para aqui, cerveja e mais cerveja para ali fomos matando saudades de velhos amigos e conhecendo mais uns quantos novos. O povo brasileiro sabe receber, e quando o juntamos a isso a habitual hospitalidade motociclistica temos momentos que são difíceis de descrever. A noite acabou tarde e no dia seguinte custou a acordar, bateu a tal tristeza do "chegar ao fim" misturada com o cansaço da viagem, só depois do grande café da manha da Verbena é que nos sentíamos prontos para recomeçar a olhar para as motos. A viagem para a casa do Silvio onde vamos encaixotar as motos é sempre uma verdadeira "viagem", são 70 kms entre as duas casas atravessando toda a cidade de São Paulo. Esta cidade é realmente gigantesca, para alem disso está longe do mar, é plana e é quase impossível conseguir encontrar pontos de referencia que nos permita algum tipo de orientação. São demasiados trunfos contra para conseguir gostar desta cidade, não fosse a família e os amigos que tenho aqui e nunca colocaria esta cidade no roteiro da viagem. Vamos para uma garagem perto da casa do Silvio, é do Júnior que fez a amabilidade de guardar as grades da motos num armazém bem na frente desta garagem. As grades são iguais às que embalámos as motos em Lisboa por isso o trabalho até corre bem e em 3 horas temos as motos prontas. Vamos para o aeroporto começar a "burrocrasia"!! E fomos e, subimos e descemos e perguntámos a uns e perguntámos a outros e voltámos para casa sem nada resolvido. A única coisa que conseguimos saber foi que um despachante oficial pedia entre 1100 e 1300 dólares para tratar de tudo....caro.. muito caro! Fomos afogar as nossas frustrações no meio de amigos, o Ed e o Silvio organizaram um churrasco de despedida na casa do Júnior, o jardim está repleto de amigos, a picanha está deliciosa a cerveja estupidamente gelada... enfim mais um momento que vai ficar na memoria, Obrigado ao anfitriões do churrasco e a todos os amigos presentes. O_café da manhã da casa "Ventura" não fica nada a dever ao de um hotel de 5 estrelas, temos de ganhar forças para um dia inteiro no aeroporto e por isso esvaziamos a mesa em questão de segundos ;-) O dia foi chato como se esperava, papelada, pagamentos, corridas de guiché para guiché mas ao fim da tarde lá tínhamos poupado 700 dólares e estava tudo alinhavado. As motos forma transportadas durante a noite para o hangar de carga, há menos transito e menos movimento no terminal, o único inconveniente é que a Receita Federal já está fechada e vamos ter de voltar aqui amanha para terminar o processo de DSE - "Despacho de Exportação Simplificada".... simplificada dizem eles.....Voltámos a invadir a Pousada "Ventura" onde mais uma vez a Joelma e a Marcella nos receberam de braços abertos, para agradecer a hospitalidade fomos a um restaurante japonês, já começa a ser habito terminar a viagem com sabores orientais e sabemos que a Joelma tb é apaixonada por sushi! Nestas coisas é sempre melhor agradar à dona da casa do que ao dono :) se bem que a dona da casa é agora a Marcella. A manhã começa com boas noticias, a D. Fernanda da Tap em Lisboa já tinha enviados emails para o pessoal da Tap Cargo do Rio e de São Paulo, o Pedro Mendes já nos esperava e ensinou-nos todos os passos a tomar, só graças à ajuda dele e do Barboza da TapCargo de São Paulo foi possível despachar as motos em 3 dias. Tratar de toda a papelada é uma tarefa muito complicada e demorada, só possível com ajuda de quem conhece o meio. Temos de agradecer novamente toda a simpatia e profissionalismo de TODO o pessoal da Tap Cargo, seja em Lisboa, em Caracas, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, todos foram magníficos e sempre nos sentimos apoiados. Obrigado mais uma vez, agora que ficámos clientes vão ter de nos aturar mais umas quantas vezes... Despachadas as motos temos de continuar a viagem, afinal ainda faltam os quilómetros até ao Rio de Janeiro. O problema é que com tantos atrasos só vamos ter um dia no Rio. É pena, quando preparei a viagem programei uma semana na cidade maravilhosa, queria terminar a viagem desfrutando da cidade e dos amigos que tenho aqui, queria passear pelos miradouros, caminhar na praia, passear nas lojas do Leblon, beber uma cerveja em Ipanema, namorar no calçadão, ir a um Motel daqueles..... enfim fazer um balanço da vida e tomar decisões. Lá estou eu outra vez.... desculpem. Despachar o Casimiro foi bem mais rápido do que despachar as motos, autocarro para o outro aeroporto, despedida sentida e... "liga se perderes o avião.." Nós alugámos um carro para a viagem para o Rio, eu queria alugar uma Combi, uma WV pão de forma, mas fui voto vencido e o resto dos vadios preferiram o ar condicionado e a direção assistida de uma Dubló, chatos! Já com o sol a descer optámos por ficar essa noite em Paraty, se seguirmos para o Rio vamos chegar de madrugada e não é boa ideia chegar à Linha Vermelha de madrugada, esta via rápida que atravessa a zona norte do Rio é rodeada por morros e favelas, é aquele Rio que não aparece nos postais, é preferível jogar pelo seguro e dormir a meio caminho. Paraty é uma pequena vila portuguesa do Sec. XVII encaixada entre a luxuriante Serra do Mar e as lindas praias da Baía de Angra. As suas casas são muito coloridas, a calçada é original da época, a cidade está repleta de pousadas, restaurante, bares e lojas de souvenirs, é um lugar caro, muito turístico mas também muito simpático. Para chegar aqui atravessámos a Serra por uma pista que há muito queria fazer de moto. A antiga rota do Ouro do tempo colonial atravessa a serra por Cunha, uma pequena aldeia bem portuguesa no cimo da montanha, aí começa o Parque Natural da Serra da Bocaima que desce até às baías de Paraty, a pista é um sucessão de curvas apertadas e enlameadas que descem dos 3000mts até ao nível do mar no meio de uma floresta tropical luxuriante. Era para ser o nosso ultimo troço de terra antes de terminar a viagem, acabou por ser na mesma só que em vez de ser de moto e de dia, foi de carro e de noite. Jantámos muito bem no Paraty13, um dos melhores restaurantes da cidade e a Milene guiou os vadios pelos bares de Paraty, eu não consigo esconder a minha tristeza, estou deprimido e não sou boa companhia de copos, apanho um táxi e vou cedo para a pousada, os outros perdem-se pelas ruas coloridas e animadas da cidade. Como resultado da noitada de ontem todos estão ainda em sono profundo, eu acordo com o nascer do sol e subo a rota do ouro quase até Cunha, queria ver as vistas, volto à pousada e ainda todos dormem, sigo para Trindade, uma praia muito conhecida da região, muito bonita por sinal, a agua está quente e a praia ainda tem pouca gente. Tenho de voltar aqui com mais tempo, a pequena vila de Trindade está cheia de pequenas pousadas e fica numa península rodeada de praias bonitas, tem um ambiente muito descontraído e parece ser bem mais calma que Paraty. No caminho de volta à pousada entro por alguns caminhos pouco utilizados e descubro "o" sitio! Praia, serra, temperatura tropical, floresta, mergulho, trilha, vento para velejar e uma casinha no meio disto tudo... quando é que eu vou ter coragem... ops desculpem lá outra vez! Volto à pousada, os vadios já estão prontos à minha espera, arrumamos a bagagem e apanhamos a BR101 na direcção do Rio. A estrada acompanha a costa e vai contornando as baías de Angra, no horizonte vêm-se muitas das 365 ilhas desta baía, muitas são particulares e todas são muito bonitas. Pelo caminho vemos tb os primeiros morros, aqui ainda não há favelas e podemos ver aquelas formações típicas dos postais do Rio, aqueles calhaus cinzentos escuros com o topo forrado com floresta. O Meau e a Gabi organizaram um churrasco lá na casa deles, estão à nossa espera desde a hora de almoço na companhia do Tulio, da Rô e de mais uns amigos do Rio. Nós só conseguimos chegar lá pelas 4 da tarde e ainda há picanha e cerveja gelada, é bom rever o Meau e a Gabi, eles são a família que tenho aqui no Rio e sempre nos recebem de uma forma magnifica, estou novamente em casa. Conseguimos dar com a casa deles na Barra, estivemos lá no ano passado e depois de tantas visitas ao Rio já me consigo orientar razoavelmente bem. Duche rápido e segue para a Lagoa, a cidade recebe os Jogos Panamericanos e está em festa, em todos os barzinhos e restaurantes há televisões que passam todas as modalidades em disputa. A conversa está muito gostosa e dura pela noite dentro, éramos para ir à Penha beber uma cerveja e sentir o berço do samba mas estamos muito cansados e amanha é o ultimo dia. Dormi mal, não que a cama fosse inconfortável, antes pelo contrário, eu é que estou inconfortável, não consigo apagar este sentimento de vazio que cada vez está mais forte. Tenho que confessar que quando o Tulio trouxe a sua Lc8 melhorei bastante de disposição, especialmente depois de saber que era minha durante toda a manhã. A Gabi está magoada no joelho e não vai poder ir com agente passear pela cidade. Só temos uma manhã, o check in é às 2 da tarde e antes ainda temos de entregar o carro alugado. O Meau, o Tulio, a Rô e o J são uns guias de primeira, levam-nos pela orla costeira, subimos a vários miradouros e terminamos a manhã com uns magníficos pasteis e um mergulho na Prainha. Tudo feito a ritmo de corrida que não há tempo para mais. Despedimo-nos a custo de todos, não basta este país ser escandalosamente belo, ainda tem as pessoas mais hospitaleiras e bem dispostas do mundo, amigos que se tornam família, família de que temos saudade logo que nos despedimos. Obrigado pessoal! Agora estou aqui embalado num cilindro de vidro que eles chamam "zona de fumadores" as lojas só aceitam dólares e não têm nada interessante, o avião está atrasado e parece que vai cheio, está a cair a noite, vamos ter 10 horas de voo e daqui a 11 vou ver se ainda tenho trabalho e recomeçar.

Comentários

  1. Você não quer retornar?... Estas no caminho de converter-te em um vadio absoluto...
    Retornes ou não, os amigos te vão encontrar!

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  2. Viva Carlos
    Esses "delírios vadios" de que te referes, relacionados com o "desprendimento" e introspecção cerca da nossa identidade e do local onde "pertencemos", acontecem com muitos viajantes de "longo curso" que estão muito tempo afastados de casa. Muitos dos grandes viajantes que a história conheceu (e conhece) começaram assim a "viagem sem retorno" e nunca mais conseguiram parar de viajar, identificando a sua casa com o "Mundo" e todos os locais por onde passam.
    Esse é um dos primeiros sintomas... por isso tem cuidado ehehehehe.
    Gostaria de ver esta odisseia (junto com esses "desabafos vadios") escrita um dia num livro para juntar à minha colecção de relatos de viagem de grandes viajantes - COMO VÓS!
    Grande abraço transmontano!
    Paulo Mafra

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