Archive for maio 2018

A minha sorte nestas coisas não mudou. O guia é coxo e o spotter é maneta, não estou a brincar... está aqui uma bela equipa para ir à caça de Lémures nas montanhas do Parque Natural de Ranomafana.




 O spotter, que supostamente vai na frente de catana na mão a abrir caminho, não tem o braço direito e o guia tinha um problema qualquer na perna que o fazia subir e descer degraus com bastante dificuldade. Mas não fica por aqui, o guia devia estar com problemas familiares e passou metade do tempo a ver se tinha rede de telemóvel para falar com a mulher. Quando conseguia ligação, só se ouvia ela a mandar vir  com ele aos berros do outro lado... acho que o coxo andou a saltar a cerca :)




No briefing inicial ele, como qualquer guia profissional, baixou as minhas expectativas. Ah e tal ontem foi lua cheia... se calhar os Lémures estão cansados porque são muito ativos em noites de lua cheia... talvez seja difícil ver algum... ok pá já percebi, a lua cheia é tramada  amigo lol, não te preocupes, não fico chateado contigo se só virmos floresta.




E que floresta, diferente de qualquer outra que já vi. Mais aberta e espaçada que a floresta tropical “normal”. Esta deixa a luz chegar até ao chão e o resultado são flores incrivelmente coloridas e exóticas, grande parte só existe aqui mesmo, nestas agrestes montanhas. Entre uma e outra chamada da mulher o guia lá me ia dizendo que aqui acontece o oposto da África  continental, onde os animais são grandes e imponentes. Aqui temos de olhar os pormenores, como esta micro orquídea ou este escaravelho girafa, ambos endémicos de Madagáscar.




Estava eu a pensar que com tanto barulho até os Lémures já deviam estar a milhas com medo da mulher do guia, quando o spotter me vem buscar e me leva mata dentro fora do trilho. Lá estão eles, maiores do que imaginava, empoleirados nos ramos a saltar de copa em copa à procura das mais saborosas guiavas. São peludos, pelo grosso e suave, como bichos de peluche de carne e osso. 




Ao longo da manhã vejo quatro espécies distintas de Lémures. Dos famosos anelados a preto e branco, aos enormes e pesados Golden Bamboo Lémure. Pelo caminho vários camaleões e insectos de formas absurdas, confirmam o exotismo que tornam as florestas desta ilha tão misteriosas. Tudo por aqui é realmente diferente, até plantas comuns como o café selvagem ou o gengibre da floresta assumem cores e formas caprichosamente diferentes. Por ter crescido no meio dos lotes de café do meu pai, tenho uma curiosidade natural com a planta e as espécies de café e aposto que nem ele sabia que havia uma espécie especifica daqui que quando madura fica com as bagas azuis.




Já no regresso o guia finalmente consegue acalmar a mulher, oiço risos do lado de lá... fico feliz por ele. Deve-se ter desculpado com a lua cheia :) 

Eu volto ao hotel, tomo um duche, um café e sigo viagem para a costa este. Ainda tenho 4 horas de luz, mais do que suficiente para chegar a tempo de um mergulho nas areias de Manakara. Pelo caminho tenho provavelmente a mais bela estrada de Madagáscar  e umas das mais bonitas que fiz... e já fiz algumas :)




Uma serpente cinza que percorre vales profundos, abertos por rios revoltos, e que contorna montanhas cobertas de floresta com picos de basalto polido pela erosão de milhões de anos. Pouco a pouco abrem-se horizontes de savana verde, bonita, com montanhas mais baixas e separadas por vales de palmeiras de aspecto  jurássico. Jurassic Park, é isso! Ou foi filmado aqui ou inspirado neste lugar, as paisagens são incrivelmente parecidas. Só faltam os Raptors a correr pela erva alta.




As pessoas também mudam, são aparentemente mais pobres que no planalto central, andam descalças, vivem em cabanas de madeira e bamboo com telhados de junco. Em contrapartida têm bastante mais que apenas arroz, a floresta dá-lhes uma quantidade e variedade de fruta tal que deixaria qualquer frutaria roxa de inveja. O sorriso continua o mesmo, o sorriso e os carros de madeira que ajudam a transportar tudo empurram-se nas subidas, vai-se à boleia nas decidas. Alguns são bastante completos e detalhados.






Chego a Manakara a tempo de mergulho e de uma cerveja com um motociclista francês que chegou pouco antes de mim. 




Escolhemos o mesmo hotel, o único da cidade em frente ao mar e provavelmente o melhor da região. Nada mau para os 15 euros que custa :) Agora é só encomendar a lagosta,  algures que faz muito bem ao intestino solto lol






A culpa é da lua cheia!

Posted by : Carlos Azevedo
domingo, maio 06, 2018
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Boa viagem em Malagasy. Aliás, sabiam que as origens desta lingua e dos primeiros nativos remonta às ilhas do Pacifico? Eu não, mas fiquei a saber e não foi graças ao meu Lonely Planet que ficou algures no meio da pista das montanhas de Ranomafana,  foi graças a um longo jantar com o Gabriel, um italiano que vive aqui há quase 30 anos.




De facto as pessoas das montanhas têm muita semelhança fisionómica com o povo da Polinésia, aqueles olhos puxados, côr caramelo e um sorriso lindo. Já na costa percebe-se uma maior influência da Africa continental, mais escuros, com olhos redondos mas com o mesmo sorriso aberto sempre pronto a nos receber. Ambos têm uma característica que devia ser mais praticada no resto do mundo... olham bem nos olhos. Quando passo de moto as pessoas acenam e sorriem mas não olham para a moto, olham-me nos olhos. Gosto disso!!



Talvez seja do capacete aberto ou da barba desgrenhada, mas seja como for o olhar deles provoca logo um ligação forte, um conforto instantâneo que nos deixa logo com vontade de parar e conversar... especialmente se houver chamuças por perto. Ai as chamuças, são a minha perdição, quanto mais tipos provo mais gosto, são de longe as melhores que já provei.



Mas não são só as chamuças, a comida por aqui é muito boa, o peixe grelhado, o camarão, a fruta, os tomates... até os zebus são saborosos. Só o pão é que não é grande coisa, mas ainda bem, pão engorda ;) Gosto de provar tudo e normalmente o intestino não se queixa, mas acho que há dois dias abusei. Desde então que tenho de fazer mais paragem técnicas do que o habitual :)



Não me parece nada sério e olhando pelo lado positivo, até foi bom.  Baixei o ritmo, paro mais vezes e com mais tempo para melhor apreciar as belas paisagens que me envolvem. Agora em vez de fazer 200kms em 4 horas, faço 250 num dia inteiro. Prefiro ver menos e bem do que tentar visitar tudo e só ver de raspão. Além disso já fiquei 2 dias parado porque simplesmente me apeteceu. Gostei tanto de Morondava e das montanhas de Ranomafana que decidi ficar mais uma noite.



Apesar de ter baixado o ritmo já percorri 3 regiões completamente distintas em termos de paisagem. A cordilheira com picos de mais de 2600 metros que corta a ilha ao meio, de norte para sul, funciona como uma muralha que segura os ventos húmidos do indico a Este. O resultado são florestas tropicais de um lado, savana tipicamente africana do outro e uma espécie de clima mediterrâneo no planato do topo. Na verdade nada é típico por aqui, a savana em vez de acácias e erva alta e seca como no continente, tem palmeiras com formas estranhas, oásis de aspecto  jurássico e pântanos, muitos pântanos. Até os famosos baobás  têm o seu estilo pessoal, altos, impressionantemente  altos e elegantes, exibindo uma imponência ainda maior do que os irmãos do continente. 



No topo da cordilheira, onde ficam as mais importantes cidades e por onde serpenteia a única estrada asfaltada que liga toda a ilha de Norte a Sul, sente-se bem a influência humana. Há muito que as florestas foram cortadas e o terreno foi dominado pela agricultura. Quase não há árvores, mas os viçosos campos de arroz, cuidadosamente escavados em socalcos e enquadrados pelos picos de pedra nua das montanhas, dão um ar extraordinariamente harmonioso à paisagem. Talvez essa é a razão que levou a Unesco  a  classificar este maciço montanhoso como património da humanidade.



Já na floresta que cobre o lado Este da cordilheira, o que se destaca são os vales estreitos abertos por rios violentos que descem dos 2000 aos 20 metros de altitude em pouco menos de 50 kms. Quase que dá para ver Lémures de uma encosta para a outra de tão estreitos que são os vales.



Para chegar à entrada do Parque natural de Ranomafana, precisamente do lado Este da Cordilheira, saí do asfalto esburacado e decidi descer a montanha arriscando um atalho por pista. Eu sei, ideia parva não é....  primeiro porque a suspensão da Transalp já mostra o desgaste da sua idade e deve ter aí uns 4 cms de curso, segundo porque o condutor também já não é novo e chegou cheio de dor de rins de tentar andar de pé numa moto tão baixinha, terceiro porque tantos solavancos fizeram com que o guia lonely planet que tinha no bolso das calças caísse algures e quarto porque só um tipo meio parvo se mete sozinho a fazer pista no meio da selva africana, com pneus de ir ao morango, sem câmaras de ar suplentes e sem gps...



Sim, isto já foi aparentemente uma estrada e vem no mapa como “route non goudronnée” e não, ainda não comprei as câmaras de ar suplentes... Mas até nem foi mau de todo, dizem que Deus protege os audazes e também deve ter uma atenção especial com os parvos como eu, o certo é que chegámos, eu e a transalp, todos desconjuntados mas inteiros à entrada do Parque  Natural. O guia é o menos, mas lá dentro tinha os autocolantes do Ace Cafe que comprei para dar ao meu irmão e ao meu primo Nuno... agora vai algum Lémure ficar com eles.



É precisamente atrás dos famoso Lémures que vou amanhã , por isso chega de escrever e toca a dormir que já são quase 9 da noite :)

Soava dia

Posted by : Carlos Azevedo
quarta-feira, maio 02, 2018
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