As Motos

A experiência foi-nos ensinando que não é a moto que faz a viagem, somos nós. Se no inicio achávamos essencial ter uma moto super equipada para fazer este tipo de viagens, não demorámos muito a perceber que qualquer uma serve... aliás quanto mais simples melhor! Uma BMW R1100GS de 1999 foi a primeira escolhida. Moto fiável e robusta aguentou bem as rotas exigentes onde foi posta à prova. Equipada até aos dentes com equipamento raro na altura, como as malas de alumínio, o deposito de 43 litros de capacidade e uma suspensão Ohlins montada num quadro reforçado. Depois de 5 anos de “convívio”, moto e piloto ganharam uma grande simbiose, algo que ajudou muito na superação de alguns dos obstáculos no projecto Até ao fim do mundo. Tantos anos de intimidade levaram-me a baptiza-la de Inga, a minha namorada Alemã gordinha. Hoje tem 300.000 quilómetros e continua a fazer parte da família. Em 2007 o desafio Amazónia requeria algo mais leve, mais simples, mais descartavel. Entra em cena a Honda Dominator 650, uma simples e barata monocilindrica que poderia ser facilmente abandonada em qualquer lado sem grandes lamentos. Depois de 8 anos a rodar com uma moto com cardã, com injecção e toda sofisticada, chegou-me às mãos uma Honda de 1999 do mais simples que há em termos de mecânica. Senti necessidade de me voltar a familiarizar com esta simplicidade e passei com ela grandes serões na garagem. Serões que coincidiam com uma tal série infantil que dava na televisão na altura, aliás era precisamente esse programa que marcava o fim do turno do sofá e o inicio do turno da garagem. Alguns meses e muitas horas de trabalho depois nasce a Floribela, a "turbinada". Equipada a rigor com vários implantes, tal e qual como a protagonista da tal série infantil. A Floribela resistiu a todas as provações da travessia da Amazónia e vive hoje em dia na casa de um amigo em Coimbra. Em 2008, terminado o projecto Até ao fim do Mundo, chega à família uma nova moto. Esguia, bela, potente e provocantemente lasciva... Heidi, a amante! :) Uma maquina infernal que me lembra que já não tenho pedalada para tanta acção. Leva-me de volta à Guiné em 2009, mas é nos trilhos do nosso Portugal e nas formações de condução do Adventure Training Centre da MotoXplorers que ganha o seu espaço vitalício na família. Hoje é um daqueles fetiches que atingem os homens de meia idade, não serve para grande coisa, mas dá um prazer de condução incomensurável... Em 2010 no México encanto-me com a simplicidade de uma Suzuki DR650. Equipada apenas com um deposito maior, um banco um pouco mais confortável e uns alfoges de lona, leva-me por toda a América Central até à Colômbia sem absolutamente nenhum problema. Baptizo-a de Maria, um nome simples para uma moto simples. Era para ser a Raimunda, uma velha e básica Kawasaki KLR 650 feia como uma noite de trovões (daí o nome, Raimunda, feia de cara, horrível de bunda) que cheguei a comprar ao mesmo dono da Maria, mas quis o destino e os serviços de correios mexicanos que a corrente de distribuição não chega-se a tempo.. Como dizem os meus amigos brasileiros, se não tem tu vai tu mesmo e foi com a Maria que partilhei as belezas da América Central. A Maria vive hoje na Venezuela, ficou hospedada na casa de um amigo e aguarda o meu regresso para mais uma vadiagem. O que importa reter é que qualquer moto é boa e serve para qualquer viagem. O que é verdadeiramente importante é o entrosamento entre piloto e moto. É importante conhece-la, saber os seus calcanhares de Aquiles, o que pode dar raia, o que se gasta mais rapidamente, quais são as suas manhas.... numa palavra, entende-la! É claro que uma moto simples e leve facilita . Facilita na hora de levanta-la do chão, quando temos de a enfiar numa canoa ou num camião, na hora de a deitar no chão para reparar um furo, mas facilita principalmente porque é muito mais fácil encontrar peças para a reparar. Acreditem que se estiverem no meio de um país como o Mali por exemplo, é muito mais fácil encontrar um carburador usado do que um injector electrónico alemão... Em termos de bagagem a lógica deve ser a mesma, simplificar. Um par de malas ou alforges laterais mantém o peso e o centro de gravidade baixo, facilitando a condução. Um saco impermeável de 30 ou 40 litros amarrado no lugar da top case não aumenta demasiado o centro de gravidade e não compromete os movimentos do piloto, permitindo que este mude de posição e descanse certas partes do corpo em etapas maiores.

A moto não representa qualquer limitação na realização da viagem. Somos nós que fazemos a viagem, ela só serve para nos levar...

Comentários

  1. Olá Grande Carlos!

    Gostei muito de ler este texto mecanico-feminino sobre as tuas escolhas. Parabéns e aqui fica um abraço de obrigado por escreves estes textos divertidos para nosso deleite!

    Quando é que me fazes aqui uma visita em Castro Verde? A partir de agora estás formalmente convidado para almoçar (ou jantar) comigo aqui. É uma pequena contrapartida pelos teus belos textos e pelo entusiasmo que partilhas!

    Até breve e aparece.

    Rui Tremoceiro.
    Castro Verde - Alentejo

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    1. Abraço amigo Rui, eu também te tenho que fazer uma visita para matar saudades da infância Grande abraço, Paulo neto

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  2. Azevedo, estou sempre aprendendo com os Profissionais como vc !

    Esse casamento piloto/maquina é algo muito bacana no motociclismo, diversas vezes me peguei conversando sozinho no meio do nada com minhas motocicletas ! cada uma com um carinho especial. A vontade que dá é de manter todas prontas para viajar ...

    Deixa-las em diversos lugares a espera de uma nova viagem ! Chegar como se tivesse matando a saudade de uma velha namorada !

    Parabens por manter esse historico e lições de vida com suas motocicletas.. inspiração para eu montar o meu topico "Antigas Paixões" rs... contando a historia das minhas motos .... ai vai a primeira delas:

    http://www.pisteiros.com.br/profile/MotoXT660RDalben

    FOX

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