Lua cheia no deserto da Namibia

Está uma lua enorme, um planeta branco que ilumina o deserto do Namib como se fosse o foco de luz. Nos últimos dias fiz qualquer coisa como 1000 de estradas de terra, desde a Reserva de Etosha que nunca mais sai delas. Na maioria são boas e permitem velocidades alucinantes, mas em alguns trechos longos são traiçoeiras, com pedras grandes e areia fofa, camufladas pela falta de contraste do meio do dia. Tenho de me lembrar que estou sozinho e que se cair e me aleijar deve demorar um bom bocado a vir ajuda. Além há muito pouco transito nestas estradas secundárias, hoje devo ter passado por uns 4 carros durante todo o dia. O frio apanhou-me de surpresa, quando cheguei perto da costa, uma capa de nuvens baixas forra o ceu. A temperatura caiu muito e tive mesmo de parar e sacar o forro do fundo do Giant Loop. `A noite o saco cama tem de estar bem fechado para passar bem. Aproveitei a passagem por Swakopmund para dar uns mimos à Lady. Não quis dizer nada para não agoirar mas a corrente está nas ultimas. Ainda é a de origem e tem 20.000kms no pêlo, sofreu mais ainda porque não encontrei oleo de corrente em nenhum lugar que passei, tem andado lubrificada com oleo de motor, algo que com estas temperaturas é o mesmo que nada. Esgotei a afinação na Zambia e deste então tenho vindo a rezar para ela não dar o berro e deixar-me no meio de nenhuns. Agora levou uma RK de enduro nova em folha, bem mais resistente e duradoura que a antiga. Continuo a descer, hoje foram mais 600kms de TT até chegar a Sossusvlei, o coração do deserto da Namibia. Nami traduzido toscamente quer dizer “Terra seca” e nada poderia ser mais adequado a este território inóspito. Não fossem os diamantes e o petroleo e este seria um país muito pobre. Mas não é, tem uma riquesa natural incomensurável e não me refiro a diamantes. A sua paisagem é uma mistura de Mauritania com Patagônia e Islandia. Tem as dunas do primeiro, a dimensão do segundo e a estradas de terra do terceiro. Por falar em dunas, é aqui mesmo que estão as mais altas do Mundo. Enormes, como montanhas de areia que fariam corar de vergonha o Erg Chebbi. Mas nem tudo é bom, a Namibia é um país organizado e tem regras rígidas nos seus parques naturais, uma das mais recentes é a proibição de entrada de motos. Dizem os guardas que demasiados motociclistas Sul Africanos abusaram e agora resolveram cortar o mal pela raiz. Do acampamento mais proximo até as dunas maiores são 70 kms e se não posso ir de moto tenho de ir de outro modo qualquer. Consigo boleia graças à grande ajuda de David, um Sul Africano que conta horrores da Estradas para Sul. Viaja tambem só mas muito carregado numa F650 Dakar e está pouco habituado a gravel roads em tão mau estado. Diz que veio o dia inteiro a 60kmh e está todo partido, pudera a 60 deve sentir todas as irregularidades, lombas e buracos da estrada. Eu desde que troquei a corrente e deixei de sentir os estalos dos elos gripados tenho “rancado fogo” da Lady... a pista pede e desta vez o barulho do escape até dá alguma motivação extra :) não reparei em buracos nem pedras e muito menos areia nas pistas até aqui :)))) Vou com 4 alemaes, aliás, um alemão e três alemoas. São professores aqui na Namibia e tiraram uns dias para visitar o deserto e perante o meu enrrascanço decidiram apertar-se um pouco e levar mais um. Combinamos às 5 no portão do parque, tempo suficiente para ver o nascer do sol da duna 45, mas esta deve ter sido das poucas vezes que um tuga foi mais pontual que os rigorosos germanicos :) só saímos às 5h15. Subimos a Duna 45, depois a Big Daddy, visitamos os pans de Sossusvlei e terminámos uma amanhã cansativa em Dead Vlei, um local inacreditável. Árvores mortas, seca, ressequidas, jazem hirtas num plano branco quase imaculado, tudo isto roedado por dunas vermelhas ocre enormes. Parece que entrámos num anfiteatro onde passa uma peça dramática, ou uma catedral onde se reza uma missa em alma das arvores defuntas, o facto é que todos sem dizermos nada uns aos outros falamos baixinho, sussuramos uns com os outros sem perceber bem porquê. O silencio é assustador, não há passaros, insectos, nada, apenas arvores negras que parecem gritar esganiçadas em busca de ajuda. É um lugar único, uma instalação artística da mãe natureza... quase como a vista da minha tenda esta noite Agora estou aqui no bar do base camp, carregando as baterias das cameras e as minhas com uma cerveja gelada. Hoje vou para a cama cedinho que o dia começou às 4 da matina e amanha tenho mais 600K de pistas...

Comentários

  1. Vida dificil essa...
    Mano velho continuação de boa viagem e boa rota e tens tempo de vir que isto aqui está frio... deixa-te andar a vadiar.
    Ab e já com saudades
    Micro vadio Ricardo Azevedo

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  2. Riccardo Guerrini9:04 da tarde

    Cada vez que leio os teus posts e vejo as tuas fotos fico de boca aberta e a sonhar! Obrigado Carlos.

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  3. Parabéns por + essa viagem e obrigado pela partilha, imagino que no meio do nada não deve ser fácil (nem barato) escrever estes post's.

    As tuas descrições e fotos fazem-me tb viajar um pouco, pois infelizmente estou enfiado no escritório 10-12hrs/ dia...
    abr
    Marco

    PS: interessante era fazer uma trip desde Madagascar, passando pela Africa do Sul até à sede da MX no Lumiar :-))

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  4. Começo a pensar se algum dia terei hipótese de fazer uma viagem assim...

    Vontade já tenho!

    Continuação de uma boa viagem!Fico muito feliz por ti, por ver que transformas o sonho em realidade!!

    Alda Susana

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  5. espero um dia fazer uma viajem destas sou de uma freguesia perto de ponte de lima e só espero um dia ser despedido da empreza que trabalho para fazer uma viajem destas... sorte e boa viajem

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