Determinação ou teimosia ?

Os dois últimos dias desta viagem forma absurdos, pela terceira vez nas ultimas semanas todas as forças naturais e sobrenaturais se juntaram para gorar o meu objectivo de chegar a Caracas a tempo do voo. O meu animo e determinação foram sistematicamente atacados por um sucessão incrível de acontecimentos que se seguiam a um ritmo sem descanso. Mas eu tenho um trunfo forte, sou teimoso que nem uma mula, vou avançar! De manhã bem cedo comecei a ter de lidar com os sucessivos desabamentos que invadiam a estrada. Depois aldeias inundadas onde a estrada era o ultimo recurso seco, aproveitado pelas famílias para amontoar os haveres que conseguiram salvar de suas casas. Vencidas as chicanes entre televisões e microondas chego a um posto de combustível para atestar. Não há! A resposta repete-se durante os 100 quilómetros seguintes até, inevitavelmente, ficar a seco. As inundações não deixaram chegar os abastecimentos normais de combustível e na região de Rio Hacha não há gasolina à 6 dias. Consigo comprar a preço de ouro um galão a um grupo de simpáticos rapazes que me explicam a situação. Mais 100 quilómetros e nova pane seca, desta vez no meio de nenhuns. Deito a Maria, subo a roda da frente numa pedra e consigo juntar os últimos 500ml no sitio certo. Faço mais 10 quilómetros e encontro uma banca de estrada com uns garrafões com um liquido amarelado. És gasolina? Si és, 20.000 pesos el galon! 10USD. Toma!! Chego finalmente à fronteira e consigo encontrar uma bomba com combustível. Já não tenho pesos e tenho de engolir o cambio que inventem, preciso mesmo de gasolina. São mais uma vez simpáticos e fazem-me o cambio normal. Na entrada na Venezuela os problemas continuam. Há 6 dias que não há água, luz nem telefones. Na imigração isso não representa grande problema, mas na aduana sim. Impossível fazer importações temporárias! está fechada!! Explico que tenho voo dentro de dois dias, peço que me façam a importação à mão ou que me deixem passar que faço a papelada na próxima aduana, nada, a moto não pode passar. Durante mais de uma hora torno-me "amigo" de um dos guardas, conto-lhe a viagem (resulta sempre para criar simpatias) e falo do meu drama. Ele começa finalmente a ceder e a movimentar os companheiros. De repente volta a luz, ele grita de imediato para a aduana, hay luz, hay luz, vay hacer tu permisso. Ok amigo, gracias! Mas o meu animo momentâneo sofre outro golpe, o tipo da aduana estava descansadinho a dormir e foi acordado, não está com cara de muitos amigos. Levanta problemas com tudo, o seguro, a moto, o caminho que está inundado. Eu saco do meu currículo e digo-lhe que não é a minha primeira vez de moto na Venezuela, sei que não é preciso seguro e que o poder que trago é perfeitamente legal. Ele amua mas continua o meu processo, desta vez com um dedo de cada vez no teclado a escrever os meus dados. 3 horas depois estou despachado e meto-me ao caminho. Mais uma vez por pouco tempo, a 8 quilómetros da fronteira a estrada está alagada. Durante a minha espera na fronteira fui recolhendo informações e já sei que me espera agua com fartura. Uns dizem que é impossível passar, que a agua dá pelo pescoço, outros dizem que dá, que os jipes passam e os camiões também. Eu vou andando, escolho um camião como referencia e sigo-o para estar sempre a par da profundidade e dos possíveis buracos escondidos na agua castanha. Vou avançando aos poucos, o camião para com motor parado, escolho outro e sigo o mesmo método. Mantenho as rotações altas e a velocidade muito baixa. A Maria aguenta-se bem, o GPS desliga, as luzes apagam-se, a gopro fica sem bateria e eu estou com agua pelas cochas, mas continuo-o a avançar. Demoro quatro horas para fazer 63 quilómetros, cai a noite, por todo o lado só agua, o lago de Maracaibo, também conhecido por ser o maior filão de petróleo da Venezuela transbordou e alagou centenas de quilómetros à sua volta. A paisagem é desoladora e escura, chego finalmente a Maracaíbo e "almoço" no MacDonalds de beira de estrada. São 7 da noite e estou numa das avenidas principais da 3ª maior cidade do país sem mapa nem gps e com um aquário em cada bota. Volto à estrada, Maracaibo é uma cidade perigosa e o Ruben avisou-me que não era um bom local para ficar. Sigo noite escura adentro por uma estrada movimentada, cheia de camiões. A cada cratera que piso digo 236 palavrões e prometo a mim mesmo que fico no primeiro hotel que aparecer. Cada vez a distancia entre as luzes dos pueblos é maior, cada vez há menos transito, passo longos quilómetros sem ver nada nem ninguém. De repente uma luz forte, um café de beira de estrada com muitos carros e camiões estacionados. Paro, tomo um café, fumo um cigarro e bebo uma agua. Atesto a moto e pago 1.5 bolívares por 15 litros de gasolina, a agua de meio litro custou-me 5 bolívares e o café 8. Eu troquei 40 dólares por 200 bolivares na fronteira, agora façam as contas e vejam o ridículo que custa a gasolina neste país. A paragem deu-me novo animo, não sei se por inconsciência ou cansaço sinto-me seguro e tranquilo. Passo Ciudad Ojeda, outra sugestão para dormir do Ruben, ainda tenho energia e decido continuar um pouco mais. Começa a serra e mais derrocadas, a sinalização nocturna destas toneladas de lama que invadem a estrada são latas com petróleo e borracha a arder que delimitam a área onde é possível passar. Imaginem uma derrocada como esta mas de noite escura com uma lata a arder em cada ponta... sombrio... Chego a Carora, vejo alguns moteis com bom aspecto. Vou ao centro da cidade e está tudo fechado e deserto. Volto à estrada principal e depois de uma conversa com um jovem policia decido-me pelo motel La Cascada. Depois de um duche longo e quente verifico que fiz 700 quilómetros, faltam apenas 300 para chegar ao meu destino final e a não ser que aconteça um cataclismo vou conseguir chegar a tempo do meu voo amanhã. Estou cansaço, esgotado, mas muito satisfeito.

Comentários

  1. Descansa porque és um teimoso dos bons :)))
    Que Odisseia tão liquida !!!! A Maria é uma grande moto ;)
    LD

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  2. "Morre lentamente quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos" (Pablo Neruda) Grande Motociclista Carlos! estamos acompanhando sua aventura e desejando que finalize da melhor forma possivél! abraços do Brasil

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  3. "Teimosia" é a palavra com que os adultos rotulam as crianças para que elas cedam na sua tenacidade que por vezes "invejam". Algumas crianças crescem e mantêm essa característica de personalidade pela vida, mais tarde ligada à experiência e sabedoria. São estas "teimosas", a maioria das pessoas que se mantêm VIVAS, atravessando aventuras e depois contando-as aos amigos. Excelente, Carlos! :)

    Zé Paulo.

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  4. Dale Carlos, casi llegaste! Espero que las formalidades en Caracas sea fáciles para que puedas llevarte a Maria para casa. Estuve pensando mucho en ti estos dias, mirando los mapas de las lluvias en el Caribe!
    Yo estoy en Portobelo, bajo las lluvias. Hace unos dias hubo unos derrumbes de tierra y mataron 9 personas en Portobelo. Las ruinas del fuerte estan llenas de tierra de los derrumbes. Pero yo hice un amigo aqui, me quedo gratis en su casa y como no tengo prisa espero tranquilo que pase todo esto. En mi primer intento a llegar a Portobelo estuve 10h bajo la lluvia fuerte y cruce carreteras con agua hasta mis maletas Ortlieb. Pero a minha Raimunda es buena chica, igual que Maria y pasa por todos los sitios :) E yo soy inconsciente y me meto en todos los sitios también :)
    Un abrazo!!! Mihai

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